sexta-feira, 15 de abril de 2011

MEMÓRIAS DO FASC (2) Araripe Coutinho :: Do Festival de Arte a Ceci e Peri de Horário Hora


3/8/2010

A emoção é sempre algo vacilante, faz-nos sentir crianças e ao mesmo tempo grandes. Emoção está cada vez mais rara nos dias de hoje. "Tempo  de partido, tempo de homens partidos" - diria nosso poeta de Itabira, Drummond.
 
Ao receber o título de Patrimônio da Humanidade pela Unesco, a Praça de São Francisco na cidade de São Cristóvão, 4ª cidade mais antiga do Brasil, é elevada ao grau de importância para o mundo que ela sempre, na verdade, teve, independente do título ou não. Agora, evidente, de fato e de direito.

A Praça de São Francisco está  localizada no centro da cidade e é cercada pelas também históricas igreja de São Francisco, Convento de  São Francisco, Capela da Ordem Terceira - atualmente sede do Museu de  Arte Sacra -, Santa Casa, Igreja da Misericórdia e Palácio  Provincial. 


A praça é a única no Brasil com um traçado urbanístico de origem tipicamente da colônia espanhola. Sua construção é do período  conhecido como União Ibérica (1580-1640), quando os reinos de Portugal e Espanha tiveram como único soberano os reis Felipe II, Felipe III e  Felipe IV da Casa da Áustria.

Tirando os dados históricos , a Praça São Francisco, na verdade, guarda uma peculiaridade belíssima para o povo de Sergipe. Foi nela que vi mais de dez festivais de Arte de São Cristóvão, organizados  pela Universidade Federal de Sergipe, quando não era, como hoje, oficiosa. Ali, se apresentaram centenas de grupos nacionais e internacionais sob a batuta de intelectuais e mestres como Albertina Brasil, João Cardoso do Nascimento, então reitor e Luiz Bispo que fora nomeado pelo Presidente Médici para ser o novo magnífico, sob a idéia de Núbia Marques, já professora da UFS e poeta consagrada. Isso em 1972. De la pra cá a Praça São Francisco, hoje patrimônio da Humanidade, recebeu vários grupos do Brasil inteiro, alunos e artistas consagrados que fizeram aquele espaço se imortalizar. Foram emoções  grandes, espetáculos inesquecíveis de balé, dança contemporânea,  música, circo, folclore, literatura e cinema, oficinas de artesanato, mostra de livros, recitais, teatro, gastronomia e festa, muita festa.

Da formação do Fasc até quando ele conseguiu resistir, porque o atual reitor, Josué Modesto dos Passos Subrinho, fez a proeza de enterrá-lo,  passaram nomes gloriosos da UFS. 

O Fasc mais rico foi sem dúvida, o que tinha Maria da Glória Santana de Almeida, a professora Glorinha, à  frente. 


Ela era Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários e  conseguiu junto aos Ministérios uma fábula em dinheiro, prestigiando todos os artistas e grupos importantes. Foi a glória! De vários  reitores me lembro de Aloísio de Campos, Gilson Cajueiro de Holanda, Eduardo Antonio Conde Garcia, Clodoaldo Alencar Filho (um apaixonado  pelo Fasc), além de nomes como José Carlos Teixeira, Thétis Nunes, Luiz Fernando Ribeiro Soutelo, Lu Spinelli, Maria Nely dos Santos,  Terezinha Oliva, Francisco José Alves, Luiz Antônio Barreto e Aglaé  Fontes de Alencar, Luiz Eduardo Oliva, João Costa, Tereza Prado, Eluzia Carvalho, Gizelda Moraes, José Costa, Fernando Lins, Jorge lins e tantos outros.

Ali naquela praça não está faltando ele, porque passaram Grupos como Corpo, Balé de Belo Horizonte, Ilê Ayê (Salvador), Companhia dos Homens(Recife), Alejandro Moro jazz Quarteto (Buenos Aires), Wagner Tiso, Nando Reis, Paulinho da Viola, Alceu Valença, Otto e tantos  inesquecíveis nomes.

 
A arte de Sergipe na música também foi destaque sempre, ali na praça, de Nino Karva à reação, de Amorosa à Joésia Ramos, Naurea ao quinteto de cordas, orquestras, Antonio Carlos Du Aracaju a Chico e Antonio Rogério, Patrícia Polayne e Crys Emmel, além de tantos que incendiaram o palco com seus talentos. A Praça São Francisco guarda em si a grande glória de tudo isso. Dos  bracelets, que as freiras fazem iguais na suissa, à queijada de dona Geninha que, quando viva, enrolava-as em papel cor de rosa e verde, aquele velho papel de pão; de Vesta Viana endeusada por Jorge Amado e  Zelia Gati por sua obra - tudo ali é mágico, é poético, é deslumbrante.




Mas o mais divino e ambicioso prêmio da Praça São Francisco, além de sua gente, sua arte e seu significado, é o Museu Histórico de São Cristóvão, localizado ali, na Praça São Francisco, que guarda a mais bela obra "Ceci e Peri",de Horácio Hora, o pintor sergipano que morreu  em Paris, enterrado no Père-Lachaise, onde estão nomes como Honoré de Balzac, Paul Éluard, Oscar Wilde, La Fontaine, Piaf, Chopin, Allan Cardec, Molière, Marcel Proust, Raymond Roussel e foi erroneamente transladado para Laranjeiras, sua terra natal, estando servindo de esterco para cavalos amarrados ao seu monumento. Ele que estava  enterrado no mais nobre cemitério da França ao lado também de Victor Hugo. Mas nada disso tira a imagem de Ceci e Peri, imortalizada por Horácio, inspirada na obra de José de Alencar, uma das mais belas  páginas da literatura mundial. Ceci e Peri, por si só, já remete à Praça São Francisco ao título de patrimônio da humanidade. Isso falo porque é impossível não chorar diante da tela. A moça branca deitada no barco, protegida pelo índio, como num filme de Visconti, uma ópera de Villa Lobos. Atentamos também para o Museu de Arte e Sacra que guarda as mais belas imagens já vistas no país, depois de Ouro Preto, onde um dia, Clodovil, chorou ao visitar.


Por tudo isso, diante da janela do museu, que dá para o pátio do convento, vendo as folhas verdes dos antúrios entremear o espaço cortando a tarde, cujo sol é lilás e a brisa verde, é que a Praça São Francisco, tão bem cultuada pelo historiador Thiago Fragata, é hoje um portal vivo de lágrimas e riqueza. Riqueza eterna, essa que o tempo não corrói.



Araripe Coutinho Poeta e escritor. Dentre suas poesias estão: O Amor Jaz, Face Morta e De avelãs e Mortes. Autor de vários livros, Coutinho é conhecido no Estado por sua produção cultural e pelo seu programa de entrevistas, quando apresentou novos e antigos talentos da literatura sergipana.

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